Mesa Redonda
Linguística Clínica

Debatedora: Renata Chrystina Bianchi de Barros (Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP)

 

Fernanda Miranda da Cruz (UNIFESP)

Subsídios da Linguística para a descrição de interações envolvendo sujeitos autistas: os encontros entre a Linguística e os estudos clínicos

Do ponto de vista clínico, a condição do autismo se expressa como uma heterogeneidade de perfis cognitivos, linguísticos e sociointeracionais dentro de um espectro. Tal heterogeneidade pode colocar desafios para uma caracterização linguístico-interacional da categoria clínica autismo. No entanto, movimentar-se entre a descrição do déficit dos indivíduos com alterações neurocognitivas e a forma como todos os envolvidos na interação a organizam, abrigando ou não acomodações e ajustes possíveis, nos posiciona em um dos pontos de encontro possível entre a Linguística e os estudos clínicos, cujas orientações são distintas. Nesta apresentação, vamos mostrar como estudos linguísticos interacionais de perspectiva multimodal têm oferecido uma ampliação descritiva e analítica de interações das quais participam sujeitos autistas minimamente verbais, uma vez que integra de forma fina o papel dos gestos, dos padrões prosódico-entonacionais, do espaço, do corpo e de objetos físicos presentes no ambiente imediato na descrição da estruturação e da construção linguístico-interacional, deixando ver, por exemplo, a temporalidade das interações, seus recursos constitutivos, padrões de direcionamento de olhar menos típicos, (des)coordenação de ações dos participantes e papéis interacionais que ocupam. Ferramentas linguísticas como o software ELAN, a transcrição e os desenhos de construção de corpora de linguagem em contextos situados são outro exemplo de ampliação descritiva e analítica de dados linguísticos de sujeitos com alterações linguístico-cognitivas. Como discussão, podemos considerar que se de um lado as abordagens situadas da linguagem-em-interação estão menos aptas a certas generalizações, de outro, têm mostrado vantagens descritivas ao se atentarem para as formas de interação social situada que acontecem no encontro entre sujeitos neurotípicos e atípicos, nos levando a um entendimento da própria interação social, em termos de sua flexibilidade e expansibilidade de estruturas; ajustes, acomodações e ações dos participantes para alcançarem intersubjetividade; visibilidade de perfis neurodiversos de sociabilidade.

 

Larissa Picinato Mazuchelli (UFU)

Contribuições da Neurolinguística Discursiva para o enfrentamento do idadismo nos estudos sobre linguagem e envelhecimento

Desde os primeiros trabalhos de Coudry (1986), a Neurolinguística Discursiva investiga, descreve e explica fenômenos linguístico-cognitivos em sua tessitura com aspectos biológicos, sociais e históricos. É a partir desta filiação teórico-metodológica que, nesta apresentação, busco mostrar a atualidade da área na análise de fenômenos complexos associados ao processo de envelhecimento. Para tanto, entrelaço uma discussão sobre o estatuto do circunlóquio, no contexto da chamada Dificuldade de Encontrar Palavras (uma das queixas mais frequentes no processo de envelhecimento; Burke & Shafto, 2004), ao preconceito etário, também conhecido como idadismo, etarismo e ageísmo. A partir da compreensão de que o circunlóquio é, a um só tempo, sinal de déficit, indício de declínio, na Neuropsicologia e nas Neurociências, e sinal de habilidade, estratégia comunicativa, no campo de ensino-aprendizagem de línguas (Mazuchelli, 2019), argumento como essa ambivalência é atravessada pelo preconceito etário que, ao funcionar como um dispositivo de biopoder (Foucault, 2008), exerce regulação e controle sobre a velhice. Desta maneira, busco dar visibilidade aos imbricamentos bio-histórico-sociais que constituem os fenômenos linguístico-cognitivos e o processo de envelhecimento, contribuindo para a discussão sobre a relação entre o normal e o patológico (Canguilhem, 1970), fundamental ao trabalho com/na linguagem realizado pela Neurolinguística. Tal discussão mostra-se, ainda, relevante, uma vez que estabelece parâmetros de enfrentamento de modelos teóricos e práticas clínicas que tendem ao apagamento da heterogeneidade constitutiva dos processos linguístico-cognitivos, bem como do sujeito e de sua trajetória. Assim como os demais trabalhos realizados na área, esta apresentação defende, portanto, que a pesquisa em Neurolinguística, seja no campo teórico ou clínico, se dá no entrecruzamento ético-ontoepistemológico (Bakhtin, 2010; Barad, 2007; Mainardes, 2022; Prior et. al, 2024); ou seja, deve reconhecer a indissociabilidade da ética, da ontologia e da epistemologia no avanço da compreensão dos fenômenos da linguagem.