Os lapsos de fala, segundo Fromkin (1973), são enunciados que apresentam um desvio em relação ao que o falante pretendia comunicar. Por serem fenômenos linguísticos, os lapsos podem manifestar-se em diferentes níveis, acometendo fonemas, morfemas, palavras ou sentenças. Nessa perspectiva, Espadaro (2018) divide-os em lapsos semânticos, lapsos fonológicos, blends, lapsos gramaticais e lapsos morfológicos. Neste resumo, propomos a investigação do último tipo de lapso, ou seja, os lapsos morfológicos, em que o segmento afetado envolve um morfema, tal como uma raiz, um prefixo ou um sufixo. Nosso principal objetivo é compreender os efeitos da produtividade das regras morfológicas no momento de ocorrência do lapso: a maior ou menor produtividade de um comportamento gramatical pode ter algum efeito nos padrões de lapsos morfológicos encontrados na fala de falantes brasileiros?
Como substrato ao estudo, abordamos dois tipos diferentes de lapsos no português brasileiro, nomeadamente: aqueles que acometem as formas de primeira pessoa do singular do presente do indicativo de verbos de terceira conjugação - Eu mido (Eu meço) e Eu pido (Eu peço) - e aqueles que envolvem regularização do paradigma da primeira conjugação do presente do indicativo - Eu comei (Eu comi) e Eu quase morrei (Eu quase morri).
A partir desse material investigamos a plausibilidade da interferência da produtividade das regras gramaticais mais tipicamente aplicadas nesses contextos. Nos lapsos Eu mido e Eu pido, utilizamo-nos do fenômeno da harmonia vocálica, descrito por Schwindt e Quadros (2009) como a “concordância entre a altura da vogal acentuada da raiz e a altura da vogal temática na primeira pessoa do presente do indicativo e em todas as formas do presente do subjuntivo”, para verificarmos se a aplicação dessa regra em diferentes contextos influenciou os lapsos. E, no caso das formas comei e morrei, valemo-nos dos estudos da produtividade da primeira conjugação do PB (FREITAS, 2015) bem como do modelo Rules and Competition (YANG, 2002) para investigarmos se tais circunstâncias propiciaram a ocorrência dos lapsos.
Por fim, procuramos sustentar essa investigação, em termos teóricos, com os pressupostos da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993) e, empiricamente, com evidências encontradas na fala de crianças durante fase de aquisição da linguagem. Como resultados preliminares, sugerimos que esses lapsos ocorrem em contextos de baixa produtividade morfológica - verbos de terceira conjugação e paradigmas de verbos defectivos - e reflete a tentativa do falante de seguir padrões regulares e produtivos da língua. (Apoio: CNPq - Processo: 2020-1695).